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terça-feira, fevereiro 01, 2005

'The marble image came alive,Began to moan and plead -She drank my burning kisses upWith ravenous thirst and greed.
She drank the breath from out my breast,She fed lust without pause;She pressed me tight, and tore and rentMy body with her claws
.'

Heinrich Heine's


Desde cedo, cada um de nós aprende que mentir é uma coisa feia. Eu não fugi ao caso. Não me lembro quem é que me disse isso pela primeira vez ou quantas me foram repetidas pela vida afora. Me lembro no entanto de um amigo meu lá quando tinha 8, 9 anos de idade que insistentemente vivia mentindo. Era muito estranho. Eu fazia coisas, contava casos verdadeiros mas nunca conseguia competir com os casos deste amigo. E eu sabia que ele estava mentindo. No entanto, achava tudo aquilo muito sem sentido e ficava me perguntando por que ele agia daquela forma. Num daqueles dias no qual ele torrou a paciência contando lá mais uma lorota, não suportei ¬ quebrei o sagrado e também menti - contei uma maior que a dele, tipo daquelas conversas fantásticas de pescador. O coitado, acostumado com as minhas tradicionais estórias verídicas não tão espetaculares, acabou ficando sem graça já que a minha mentira era "maior" do que a dele. Me lembro ter sentido uma coisa muito engraçada - ao mesmo tempo a constatação do poder que agora descobrira junto a um vazio enorme, dado que aquela estória era toda vazia e de fato não fazia parte da minha vivência concreta.

Os anos vão passando e dezenas, centenas e talvez milhares de pessoas vão também passando pela nossa vida. Dentre essa turma, uma boa dose de mentirosos e um bom punhado de compulsivos, parecidos com este meu amigo de infância. Eu, por mais que tenha aprendido com aquela lição, nunca lidei bem com o tal poder adquirido de mentir. Foi uma das etapas da minha vida na qual eu perdi uma certa ingenuidade do mundo. Mas de fato, isso não aconteceu com a mentira dita por mim mesmo. Foi na verdade quando descobri que o tal amigo mentia. Foi uma descoberta do mundo, a descoberta que nem todo mundo usa e partilha das mesmas regras ¬ das tais regras do jogo. E daí a famosa Lei do pobre Gerson de um levar vantagem sobre o outro. Me disseram depois que "quem mente não segue em frente" ou "mentira tem perna curta" ¬ tudo para retornar à velha máxima de que "o bem vence sempre o mal ao final".

Satanás, o acusador, curiosamente identificado com a serpente do Genesis, a qual era tão somente o animal mais astuto nos jardins do Éden foi chamado de pai da mentira, fruto já deste fatídico episódio que nos serve como maldição genética (cristianismo), notadamente a partir das cartas de Paulo. O mais gozado é que no incidente, por incrível que pareça, é a serpente de fato quem afirma a verdade e, pasmem, Iahweh quem mente. Quem quiser conferir, observe as palavras de Deus em Gen 2, 16, 17, confirmadas por Eva em Gen 3, 3. A morte do homem não se confirmou, a não ser em sentido metafórico como morte da pureza inicial. No entanto, o que serpente afirmou em Gen 3, 5 de fato aconteceu: após a mordida do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal, homem e mulher passaram a ser versados no bem e no mal, da mesma forma como os deuses, fato que é inclusive confirmado pelo próprio Iahweh após ter amaldiçoado o homem, a mulher e a serpente em Gen 2, 22 quando este, de forma muito estranha, conversa no plural: "se o homem já é como um de nós..." Ou seja, a serpente na estória, mesmo tendo falado a verdade, pagou o pato tendo que a partir daquele momento começar a rastejar e a comer pó. E mais: ela que antes era apena um bicho, virou o próprio demo e o pai da mentira!!! Iahweh, o qual tinha contado uma inverdade [eufemismo bonito para mentira] para Adão acaba almaldiçoando e expulsando o povo do Éden. Por fim, querubins com espadas flamejantes são postos junto à árvore da vida, para que dela também não comessem seu fruto. (É!!! Existiam duas árvores especiais naquele quadrilátero!) Daí surge a ligação entre mentira e mal em nossa sociedade ocidental.

Mas seria este um fato antropológico? Aparentemente a mentira é encontrada em todas as sociedades e é de se assustar, motivo para manchete de jornal, encontrar alguém vivo que não tenha mentido na vida. Parodiando a própria passagem do evangelho, quem nunca mentiu que atire a primeira pedra! Certamente qualquer mentiroso sairia ileso de um apedrejamento destes. Mas continuando em nossa trilha, devemos nos lembrar também de outra pérola que sempre nos é dita: "há mentiras boas e mentiras más, há mentirinhas e mentironas!" Ora, a regra é uma só - desviarmos ou não da verdade e a verdade é a coerente ligação com os fatos. A verdade é prestação de contas com a sinceridade daquilo que é [pelo menos daquilo que é frente à imperfeição de nossos sentidos]. Em Efésios, 4, 25, o compromisso com a verdade funciona inclusive como o cimento básico da união primitiva da comunidade cristã: "Por isso deixai a mentira, e falai a verdade cada um com o seu próximo; porque somos membros uns dos outros." Mas retomando a "trilha da mentira", poderíamos nos perguntar: Quem é o guardião da pureza daquilo que é ou não é uma mentira perigosa? Quem garante a ingenuidade de um dizer mentiroso? Obviamente todos nós procuramos calcular as consequências de nossas mentiras [tirando os compulsivos, óbvio]. Mas nunca teremos de fato certeza do mal que podemos ou não causar dizendo uma mentira. Mas daí, o mais interessante é postular que uma mentira pode ser boa, ou seja, que uma mentira pode salvar vidas, poupar transtornos, evitar mal-entendidos e, incrível, fazer o próprio bem.

E daí pulamos para o ponto final deste artigo que é a seguinte questão ¬ Pode uma mentira ser bonita? Certamente não falamos aqui da estética retórica ou da beleza argumentativa na construção de um enunciado falacioso. Queremos saber sobre a essência mesmo do enunciado - pode a mentira ser bela? Já sabemos, pois nos foi dito, que existem "mentiras" e "mentiras". E umas são mais cabeludas que as outras. Mas mentiras podem ser bonitas? Nos contaram também, como vimos no começo, que mentir é feio. Mentir pode ser bonito? Se acreditamos que uma mentira pode salvar uma vida ou fazer um bem, certamente há algo de belo nesse suposto poder da palavra distorcida. Mas o que nos fascina mesmo é a sedução que a mentira nos provoca. A língua dança em nossas bocas, coça nossos dedos ao escrever, quando somos seduzidos pela mentira. É uma troça, é um jogo, é uma brincadeira, é um fel a ser degustado na face de quem nos escuta e lê. A mentira dança, rebola, mostra a parte caída de seu decote, insinuando um doce canto de sereia a nos sibilar: "vem, me encosta na parede e abusa desse poder! Me faz sentir tua boca me dizer!" E é bela, altamente bela a mentira que nos diz: "vem que te quero!" Mas pode se dizer ela ao mesmo tempo bela e mentirosa? Mentirosa e bela ao mesmo tempo pode se dizer a mentira? Quem me garante?

Postado Originalmente por mim no antigo blog Hiperfocus em 10/11/2002.

terça-feira, janeiro 25, 2005

Tive um debate um tempo atrás com um rapaz criacionista que advogava ser o Genesis um livro histórico, dentre outras "viagens" criacionistas. Pois bem, vou postar aqui minha resposta a ele, basicamente sobre o texto em Genesis 1. Inicialmente, em minhas considerações, falarei um pouco sobre o paralelismo, uma forma típica da poesia judaica bíblica. Então vamos lá:

Vamos acompanhar o que o Centro de Pesquisas do Hebreu Antigo tem a nos dizer sobre o paralelismo: Como a poesia hebraica é escrita de uma forma muito diferente do que o nosso próprio estilo ocidental de poesia, muitos não reconhecem a poesia, o qual pode causar problemas quando da tradução ou interpretação das passagens. Aproximadamente 75% do Tanach (Velho Testamento) é poesia. Todos os Salmos e Provérbios são poesia hebraica. MESMO O LIVRO DO GENESIS É REPLETO DE POESIA. Existem diversas razões para os Hebreus terem usado poesia. Muito da Torah foi cantada. Poesias e canções são mais fácies de memorizar do que textos corridos. A poesia paralelística (COMO em GENESIS 1) enfatiza algo de grande importância, como a estória da criação o é. Os rabinos acreditavam que se alguma coisa é digna de ser dita, ela deve ser ditaa de uma forma cheia de beleza. Existe muito mais poesia na Bíblia do que muitos pensam porque a maioria das pessoas não a entende.[Tradução nossa]

Alguns sites de apologética criacionista tal como o Christian Answers [que sustenta a insustentável idéia de que foi Moisés quem escreveu a Torá] ou o Lambert Dolphin através de alguns artigos tais como Syntax and Semantics in Genesis One e Is Genesis Poetry or Historic Narrative sustentam a idéia de que Gênesis 1 seria uma narrativa histórica ao invés de um texto poético. O argumento básico utilizado é o que o texto em Gênesis não contem a estrutura básica do poema hebraico chamado paralelismo. Tal estrutura poética se dá quando o autor se utiliza de duas ou mais formas diferentes para falar sobre algo. Inexistiria tal estrutura então no Gênesis? Confiram o que este artigo tem a nos dizer sobre isso. A conclusão do mesmo se dá na seguinte forma: Deve ser lembrado que os modernos pensadores ocidentais vêem os eventos em uma lógica de etapas. Esta é a a idéia de que cada evento vem depois de um prévio formando uma série de eventos em uma linha do tempo linear. Mas os Hebreus não pensam em uma lógica de etapas mas em uma lógica de blocos. Isto é o agrupamento conjunto de idéias similares juntas ou não em uma ordem cronológica. A maioria das pessoas lêem o Capítulo 1 do Gênesis através de uma perspectiva de lógica de etapas ou cronológica, menos do que através de blocos lógicos tão comum na poesia hebraica.[tradução nossa]Como pode ser visto, a devida atenção às tradições orais do povo hebreu bem como da real e concreta atenção às variações da forma poética do paralelismo irão nos mostrar a poeticidade do texto em Genesis.

Como um belo exemplo dessa poeticidade, podemos encontrar nessa tradução para o inglês ou na versão de Haroldo de Campos [BereShit], certamente um dos nosso maiores tradutores nacionais, a qual colocarei os primeiros versos e que pode ser encontrada à venda aqui :

1. No começar Deus criando
O fogoágua e a terra

2. E a terra era lodo torvo
e a treva sobre o rosto do abismo
E o sopro-Deus
revoa sobre o rosto da água

3. E Deus disse seja luz
E foi luz

4. E Deus viu que a luz era boa
E Deus dividiu
entre a luz e a treva

5. E Deus chamou à luz dia
e à treva chamou noite
E foi tarde e foi manhã
dia um....

Finalizando, me lembro de uma frase de um amigo poeta, o Flávio Boaventura que nos dá uma dica bem sutil sobre a questão da sensibilidade e da poesia. A frase é a seguinte:"Quem define a poesia, definha a poesia."

Ps. Estes criacionistas realmente são da pá-virada. Geralmente sempre tem algum físico Phd da Nasa que lecionou no MIT ou alguma Universidade Européia e tal... nunca falta. Mas o cúmulo do cúmulo é realmente este site chamado The Earth is Not Moving.

[Ouvindo: Brade - Canzon - (205) (Music of the Waits) - Dance Music of the High Renais (2:50)]

domingo, janeiro 23, 2005

Lilith é um ser lendário, extremamente controverso e interessante. Na Bíblia, de fato, há apenas uma passagem citando Lilith, que se encontra em Isaías 34:13-15:

"Nos seus palácios crescerão espinhos,
urtigas e cardos, nas suas fortalezas:
ela servirá de morada para os chacais,
de habitação para os avestruzes.
Os gatos selvagens conviverão aí com as hienas,
os sátiros chamarão os seu companheiros. Ali descansará Lilit,
e achará um pouso para si.
Ali a serpente fará o seu ninho, porá os seus ovos,
chocá-los-á e recolherá à sua sombra a sua ninhada."
[trad.Bíblia de Jerusalém]

Este trecho se refere ao chamado "Julgamento de Edom", sendo que os capítulos 34 e 35 de Isaías são frequentemente chamados de "pequeno apocalipse". No nosso trecho específico, percebemos a formação da Morada Lúgubre, o local onde Lilith habitará. Trata-se do contrário do paraíso mostrado em Isaías 11,1-9.Mas afinal, quem é Lilith? Bem, essa pergunta não permite apenas uma resposta, dada as variadas versões acerca deste ser. Provavelmente a mais antiga fonte conhecida sobre a figura de Lilitth se encontra na Epopéia de Gilgamesh. Temos duas passagens. A primeira quando se fala da genealogia de Gilgamesh, o qual seria o quinto rei da cidade de Uruk [Arac ou Erech em Gênesis 10,10]:Gilgamesh, cujo pai foi um Lil-la, um sacerdote de Kullab [=quartel de Uruk], reinou 126 anos. [fonte:KLUGER, Rivkah. O Significado Arquetípico de Gilgamesh, p.28.]

A análise de Kluger recorre à tradução de Contenau, que julga que o termo Lil-la esteja vinculado ao termo Lil-lû, que é um demônio. A sua contrapartida feminina, Ardat-lil-li, é um súcubo perigoso para os homens. Por sua vez, Lil-lû é um incubo, que teria se unido à mãe de Gilgamesh, a deusa Nin-Sun, uma sacerdotisa do deus-sol Shamash, sem o conhecimento do seu esposo, o divino Lugalbanda. Assim, Gilgamesh seria filho de uma deusa e de um demônio.[KRUGLER, p.29] Diferente, no entanto, da passagem da bíblia e da tradição judaica, temos aqui um demônio masculino ao invés de um feminino. Essa outra passagem nos mostra Litith como um demônio, que constrói sua casa no tronco de uma árvore.Foi encontrado também nos Manuscritos do Mar Morto uma passagem sobre Lilith, mostrando-a como demônio. No caso específico, Lilith aparece no plural, como demônios. No Talmud encontramos já uma referência entre a ligação entre ela e Adão. Porém, é somente no chamado Alfabeto de Ben-Sirah que encontraremos a lenda de Lilith como sendo a primeira esposa de Adão. Trata-se de um livro medieval, não fazendo parte dos Midrash ou do Talmud e sua ligação com o judaísmo tradicional é, no mínimo, problemática, como podemos ver aqui.

Lendas Judaicas sobre a Criação

Na compilação das lendas judaicas realizada por Bin Gorion, temos algumas interessantes passagens sobre Lilith:

"Depois que o Senhor criou Adão, disse: não é bom que o homem esteja só. E da terra com a qual formara Adão, fez uma mulher e a chamou de Lilit. Logo depois os dois tiveram uma desavença e Lilit disse: És apenas meu irmão, ambos fomos tirados da terra! E um não acatava a palavra do outro. Quando Lilit viu que não tinha paz, proferiu o verdadeiro nome de Deus e levantou vôo."[GORION, p.52]

Outra lenda: "Depois que a primeira luz da Criação foi encoberta, foi criada a Kelipa, a maldade original. E da Kelipa surgiu um ente duplo, que se assemelhava a ela (Semael, o mau espírito, e Lilit, sua mulher."[GORION, p.53]
"Mas depois que Adão e Eva cometeram o pecado, o Senhor tirou Lilit novamente das profundezas do mar e lhe concedeu o poder sobre a vida das crianças; deveriam sofrer os castigos pelos pecados de seus pais."[GORION, p.53]

Outra lenda:"Mas enquanto Adão estava separado de Eva por cento e trinta anos e dormia sozinho, Lilit o encontrou e desejou sua beleza. Ela deitou-se a seu lado e dele concebeu um sem-número de diabos, espíritos e demônios." [GORION, p.53]

As traduções Bíblicas

É comum que algumas bíblias traduzam a passagem citada de Isaías na qual aparece o Lilith como Coruja. A questão que vc coloca é de fato pertinente e tem a sua lógica. Creio, no entanto, que este texto aqui esclarece a questão da tradução de Lilith como uma coruja. Acerca deste fato, é importante também observar a citação de Lilith no Talmud como um demônio [e não como um animal], bem como a refutação iconográfica de Lilith como coruja, mostrada neste texto. A palavra original em hebraico é lilith. O problema referente a ela, no entanto, como mostra o texto que citei é que ela é um hapax legomenon [chique né!], uma palavra que aparece somente uma vez em todo o texto bíblico e por isso dificulta a análise comparativa. Mas enfim, eu prefiro as traduções que não fazem esse tipo de operação - por exemplo, chamar Yahweh de Senhor e é por isso que gosto da "Bíblia de Jerusalém"; na minha modesta opinião, a melhor que temos em português.

Iconografia e Cristianismo

É possível ver nessas gravuras uma POSSÍVEL apropriação da lenda judaica pelo cristianismo, mostrando uma serpente com cabeça feminina entregando o fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal à Eva. No site do Artmagick, o leitor poderá encontrará uma belíssima pintura de Lilith , envolta por uma serpente, feita pelo artista britânico John Collier no século XIX.

Bom, enfim. Creio ter dado algumas pistas para uma maior pesquisa, caso o leitor tenha interesse nessa mítica e sedutora criatura. Lilith, principalmente por sua criação oriunda da mesma terra da qual Adão foi criado e por sua não-submissão a este, muitas vezes é utilizada como um arquétipo de mulher independente. Porém, justamente por essa independência e por atitudes fortes, acaba sendo punida pelo criador.

[Ouvindo: The Promised Womb - Dead Can Dance - Dead Can Dance 1981-1998 (3:25)]

sexta-feira, janeiro 21, 2005

Eu normalmente não dou a mínima para estes textos de auto-ajuda ou coisas do gênero. No entanto, minha mãe me deu este texto, que reproduzo abaixo, e creio que vale a pena lerem. O nome do texto é:

Um Buraco e Um Cavalo

"Um fazendeiro, que lutava com muitas dificuldades, possuía alguns cavalos para ajudar nos trabalhos de sua pequena propriedade rural. Um dia seu capataz veio trazer a notícia de que um dos cavalos havia caído num velho poço abandonado. O poço era muito profundo e seria extremamente difícil tirar o animal de lá. O fazendeiro foi rapidamente ao local do acidente, avaliou a situação, certificando-se que o animal não machucara. Mas, pela dificuldade e alto custo da operação de retirada do cavalo do fundo do poço, achou que não valeria a pena investir numa operação de resgate. Tomou então a seguinte decisão: determinou ao capataz que sacrificasse o animal, jogando terra dentro do poço, até enterrá-lo ali mesmo. E assim foi feito: os empregados, comandados pelo capataz, começaram a jogar terra dentro do poço, de forma a cobrir o cavalo. Mas à medida que a terra caía sobre o dorso do animal, este sacudia e a terra ia se acumulando no fundo. possibilitando ao cavalo ir subindo... subindo. Logo os homens perceberam que o cavalo não se deixava enterrar, mas pelo contrário, estava subindo à medida em que a terra enchia o poço. E assim foi até que conseguiu sair. Sabendo então do caso, o fazendeiro ficou muito alegre e o cavalo viveu ainda muitos anos, servindo ao seu dono na fazenda."

A moral da estória, segundo o papel é:

"Se você estiver 'lá embaixo', sentindo-se pouco valorizado, quando, já certos de seu desaparecimento, os outros jogarem sobre você a terra da incompreensão, da falta de oportunidades e de apoio, lembre-se desse cavalo... Não aceite a terra que cai sobre você... sacuda-a e suba sobre ela. E quanto mais terra jogarem sobre você, mais você vai subindo... subindo, aprendendo a sair do buraco."

Meu ponto de vista

Eu acho que me sensibilizei com o cavalo, mas achei o fazendeiro um belo de um filho d#@!%*&... Enfim... mas de "fazendeiros", como este, temos aos montes por aí e o que aconteceu ao cavalo da estória muito bem poderia ter acontecido na realidade. Fico pensando, por outro lado, é das terras que caem sobre as nossas cabeças e que não sabemos muito bem de onde vem, não é verdade?!

Ps. O texto foi retirado de uma cortesia da Irffi Internacional.

[Ouvindo: Goonies Theme - Cindy Lauper - Goonies Soundtrack - (3:28)].

terça-feira, setembro 21, 2004

Repita comigo:
"1,2,3... O Sistema está certo, sempre certo e nunca irá errar!",
"1,2,3,... de novo!",
"O Sistema está certo, sempre certo e nunca irá errar!"
... muito bem... agora sim! Mais uma vez, entendido?!
"O Sistema está certo, sempre certo e nunca irá errar"

Meus dedos cruzados acabam de ser cortados.
mas um dia...

sábado, novembro 01, 2003

Me lembro do início de 93, quando fui a uma casa no bairro de Lourdes para comprar um bichinho. Quando cheguei, vieram correndo bem atabalhoados dois cachorrinhos beagle rolando pelo carpete e mordiscando um ao outro. Achamos um deles o mais bonito e decimos levá-lo. No entanto, a dona dos filhotes nos disse que na verdades só restara o outro para vender, aquele com uma mancha marrom na testa. Me lembro do primeiro dia no qual eu o pus em uma caixa e o deixei aqui no quarto para que pudesse olhá-lo. Me lembro de olhar no jornal e descobrir a pitoresca palavra Tibúrcio e de o "presentear" com esse nome. Me lembro de um ganido misturado a uma certa melancolia e espanto como se assim perguntasse: "Onde estou? Cadê os meus amigos?". Eram seus primeiros dias aqui em casa, ainda se acostumando com o novo ambiente. Me lembro também do primeiro dia em que o levei para passear, de como cravou suas unhas no cimento do passeio, morto de medo de toda aquela confusão que o cercava. Deste dia e dos outros que comigo passeara pela praça da Assembléia, por toda Lourdes e até a Savassi, quando incansavelmente me puxava e puxava, restam coloridas as imagens na memória. De quando o deixamos treinando sozinho, onde fome e mal tratos passou, e de seu retorno, quase salvamento, quando alucinado adentrou percorrendo cada centímetro da casa. Mal humorado ele era e muito safado também. Raptava sapatos e os levava para debaixo da mesa para vigiante e atento só os trocar por um pão de queijo ou biscoito. Era um cão lindo, cheio de vida, que por toda a redondeza fazia sucesso. Todos paravam para vê-lo. O bom e velho Tibe! Aquele que recebia a todos com cortesia, balançando o rabo como que a fazer as honras da casa. E de todos era o primeiro a correr à porta quando nela batiam. Era um bon vivant, todo balofo de tanto comer, negociando e roubando os pratos da casa. Um cara genioso que só fazia na verdade o que bem entendia e queria. Das vezes que o pegava no colo, sempre tentava escapar e só mesmo quando o queria era que vinha até a gente com aquele olhar de querer cafuné. Me lembro de suas alergias, das vezes no veterinário, dos latidos, cada um com seu tom, cada um com seu querer e pedir. Eram palavras, cada uma bem dita e escutada por mim. Andar vagoroso, sempre com um gingado pro lado, procurava sempre por uma árvore na rua, seu local sagrado de deixar a marca. Me lembro destes passos e de dez dias atrás com ele traçar os mesmos passos na Assembléia. Os passos eram lentos, a vista era turva, mas a alegria era a mesma - uma vontade sempre forte de sair e cuidar de suas árvores. Me lembro de na quarta, me deitar ao seu lado e por minutos ficarmos lá como que a comunicar segredos... um contando para o outro, suas dores e vontades. A idade chegara e tudo lhe era mais difícil. Em casa já sabíamos e nos preparávamos para o que estava por vir. E de tudo, aquele porvir necessário que é o contar pra trás das horas, de inesperado nos pegou. O bom e velho amigo, o "velhinho" se foi nessa última quinta. Seu coração parou numa súbita despedida, longe daqui, nas mãos dos médicos, do tempo e de Deus. Sua vida, alegria da casa, esvaiu de nossos dedos num contar de areia.

Me lembro das horas que me fazem lembrar das horas que com ele não estive. Um amigo se foi. E que tudo o mais é luto, qual seja o círculo amarelo que me mostrem. Recolham as flores, parem os sinos, fechem as janelas pois a noite chegou. Que em breve tudo passa e das estórias de acolhimento já as sei todas de cór. São velhas amigas, utensilhos de baú, sempre prontas as tenho num recital como este. Nada há nelas que a um amigo se faça o retorno. O chão é breve e a terra é tão curta pra vontades tão tantas. Lá bem longe, de quando em breve, na "Terra do Au", um latido mal humorado irá brilhar. No mais, na vida ausente, daqui de longe eu vou escutando. Adeus, meu bom amigo...

quinta-feira, junho 26, 2003

Estava eu conversando com aquele ser curioso que desaparece de vez em quando deixando seu sorriso estampado no ar, o bichano da Alice, e falava assim para ele: Marx e Engels escreveram no Manifesto do Partido Comunista em 1844 que "tudo o que é sólido desmancha no ar". O gato com aquele ar sarcástico, no entanto com uma ponta de pena escondida, abriu ent?o seus braços para mim e disse em ar atencioso: "Bem vindo, Flávio. Bem vindo ao Mundo da Dissolvidão..." E assim como uma flor é desflorada a cada girada do redemoinho da pia, vou eu rumando no dissolver do ar. Amém.

domingo, maio 25, 2003

Pedro Chosnovsky, 45 anos, comerciante. Assinou os papéis, conferiu de novo cada palavra e teve apenas a dúvida se iria querer receber o boletim de novidades. As duas vias foram entregues à moça de sorriso rosáceo, que lhe entregou um comprovante. O salão estava cheio e as pessoas andavam preocupadas cada uma com seu norte. Imaginou se elas sabiam realmente que norte teriam. Olhou de novo para a moça, que novamente com um leve sorriso abaixou candidamente o rosto em reverência chinesa. Virou-se para a porta de vidro fumê, caminhou. Dezenove passos deveriam dar, mas a cada movimento de suas pernas, cada passo era mais difícil. Os dois primeiros foram de impulso, mas depois cada tentativa de levantar os pés do chão era como uma luta hercúlea. O ritmo do mundo continuava o mesmo. As pessoas andavam normalmente. Não o viam, ou melhor, não ligavam em ver. O esforço se traduzia em dor e suor. Seus músculos fibrilavam, se contorciam fazendo mãos e pés se espalmarem. Virou para trás de novo na tentativa de chamar a moça do balcão. Ela agora atendia uma senhora de sobretudo verde, não tendo olhos para o seu drama. Parou. Respiração ofegante, pulso descontrolado e uma sensação kafkaniana de não se entender. Lembrou-se de novo que deveria chegar ao norte e que a porta estava agora a apenas 3 passos. O ar de fora vinha em breves rajadas a cada pessoa que entrava e saía. Pegou um cigarro, mexeu nos bolsos à procura dos fósforos. Deu conta então que parado conseguia fazer as coisas, que estando parado nada lhe impedia de se movimentar. Os pés não saíam do chão, mas podia virar o tronco, abrir os braços e fazer o que quisesse. Tentou agarrar a primeira pessoa que passasse. Um rapaz foi o primeiro a lhe dizer:
- Pois não?
- Tire-me daqui, por favor. Eu não consigo mais andar!
- E por quê gostaria de andar?
- Ora, por quê? Isso é lá uma pergunta? Eu quero andar! Me tire daqui!
- E se eu lhe tirar daqui, o senhor voltará a andar?
A profusão de perguntas somada à perplexidade inesperada lhe fez terminar a conversa com um "obrigado, me desculpe". O rapaz se foi como os outros, deixando em Chosnovsky uma boca aberta a olhar para dentro. Ele tinha de chegar ainda às 6 para pegar um lugar vazio do outro lado da cidade. Incapaz, no entanto, de dar três passos por conta própria, se ajoelhou no ladrilho de mármore xadrez e se pôs a chorar. Imaginou que se pudesse esticar seu corpo até à fresta da porta, talvez tivesse uma chance. Tentou se ajeitar para o lado procurando o melhor ângulo e começou a se arrastar. seus braços eram entrecortados pelos pés das pessoas. Ao chegar à fresta da luz, sentiu a dor de um sapato a lhe esmagar o dedo. O sangue correra por dentro como flecha, trazendo uma onda inflamada de dor. Sentou-se. Desistiu de tudo e todos, fechou os olhos. Achou melhor deixar o tempo passar. Viu as horas, as pessoas, novamente as horas e não mais pessoas. A luz da porta se foi, trocada por uma lâmpada perdurada por horas. Depois o nada e mais ninguém. A moça do balcão também se fora. Rodeou um dia e por fim viu surgir de novo todo o ritmo, toda a folie da véspera. Volteou os olhos e lá estava ela, a moça de sorriso rosáceo agora lhe sacudia os braços. "O quê?", gritou.
- Seus sapatos, senhor!
- Heim? O quê?
- Seus sapatos! O senhor não vai desamarrá-los?

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